Leia trecho exclusivo do livro de março do intrínsecos

Um dos períodos mais importantes da nossa vida, a infância é recheada de desafios e escolhas. Novas experiências surgem todos os dias e descobrimos que viver é mais difícil do que parece. É escolher olhar para uma coisa e perder tantas outras.

No livro de março do intrínsecos, você conhecerá a história de um menino transformado pela chegada de um circo em sua cidade. Ainda jovem, ele teve a chance de ler o livro da sua vida e pôde escolher entre conhecer seu futuro ou continuar sem saber o que acontecerá.

Pensando nisso, selecionamos um trecho inédito do próximo livro do clube para que você tenha um gostinho do que virá na próxima caixa e também possa decidir seus próximos passos: ler um pouco agora ou esperar o livro chegar em suas mãos?

Confira o trecho abaixo:

Se nada mudou, ele chegará daqui a dez ou onze horas. É o que dizia o meu livro na última vez que chequei. Talvez venha um pouco mais cedo, talvez desista e nunca apareça. Não sei. Estico o braço na direção do criado-mudo, abro na página marcada pelo fitilho e reconfirmo: por enquanto, tudo igual. Ele continua a caminho, apenas uma madrugada de distância entre nós.

Ele entrará pela fresta de pano sem titubear, sem esperar, sem ser anunciado, exatamente como três décadas atrás, pela repetição dos seus gestos tentando reencenar o passado. Reabitá-lo. Uma segunda chance. Mas não existem segundas chances: milhares de dias e quilômetros nos separaram daquela noite em Pausado. De igual, apenas esta tenda amarela, onde ele vai se esgueirar com a desfaçatez de um cachorro faminto.

— Você gostaria, Líbero, de ler o livro da sua vida? — perguntei a ele naquela noite, a mesma pergunta que repeti para tantas outras pessoas, antes e depois disso.

Nunca mais o vi depois daquela noite. Faz trinta e três anos.

Há algumas horas, sentei nessa poltrona e abri o meu livro. Como todo fim de tarde. Faz muitos anos que decidi só usá-lo assim, a conta-gotas, descortinando o meu futuro de amanhã em amanhã, com a naturalidade de quem folheia a agenda para checar os compromissos do dia seguinte. O futuro distante me assusta, mas não os amanhãs, quase palpáveis. O pote de ouro no fim do arco-íris nunca me interessou, me intriga muito mais o que habita atrás do pôr do sol, na curva do horizonte.

Hoje, porém, não houve pôr do sol.

Não chovia, mas uma luz pálida e insossa iluminava o acampamento. Me recolhi mais cedo do que de costume. Acendi o lampião a gás, sentei na poltrona e abri o meu livro na página marcada. Ali estava a garantia de que haveria um amanhã. O meu amanhã. Comecei a ler. E foi assim, em uma página qualquer, de um parágrafo qualquer, que o amanhã trouxe duas palavras que não deveriam estar ali.

Líbero Perim.

Raramente penso nele, mas nunca deixei de me perguntar o que aconteceu com aquele garoto magricela e curioso depois que correu para fora da minha tenda e da minha vida. Nunca consegui me desfazer do seu livro, vermelho, de capa dura, idêntico ao meu e aos tantos outros que eu e Lourival distribuímos. Guardei como um suvenir, para caso esse dia chegasse. E chegou.

Se nada mudar, Líbero vai aparecer daqui a dez ou onze horas.

Vai me reconhecer de imediato e não vai sentar, não vai ajoelhar. Implorará de pé, sem dizer uma única palavra. Talvez fosse melhor esconder seu livro e mentir: dizer que o que ele procura já não existe. Mas não, se ele veio até aqui que abra aquelas páginas e descubra de uma vez por todas a verdade: o que ele procura já não existe. Tanto faz.

Às vezes, mentiras e verdades são a mesmíssima coisa.

 

 

Essa história chegará na caixa de março do clube intrínsecos junto com brindes que expandem o universo literário. Se você ainda não garantiu, corra e assine o clube até 28/02. Assine aqui.

 

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